A regra geral que as contratações feitas pela Administração Pública sejam precedidas de processo de licitação, decorre de determinação do inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal, que estabelece:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[...]
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
Assim, percebe-se que, em que pese a regra geral seja a realização de licitação para as contratações pretendidas pelo Poder Público, é possível que a legislação estabeleça hipóteses de contratação direta, sem licitação, sendo que a Lei 14.133/2021, nos artigos 74, 75 e 76 manteve tais hipóteses como de inexigibilidade e dispensa de licitação (sem entrar no mérito da distinção entre licitação dispensável e dispensada, para aqueles que fazem a distinção).
Importante destacar que somente a União pode editar normas gerais sobre licitações, de forma que somente a Lei Federal (de cunho nacional) é que pode estabelecer novas hipóteses de dispensa e inexigibilidade, em virtude do disposto no inciso XXVII do art. 22 da Constituição Federal, que estabelece:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
[...]
XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III;
Portanto, a norma geral editada pela União para regulamentação do inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal é a Lei 14.133/2021, que conviveu com a Lei 8.666/93, até o final de 2023, mas que, a partir do início de 2024 é a única norma geral regulamentadora da matéria.
A referida norma geral, como já dito, estabeleceu hipóteses de inexigibilidade e dispensa de licitação, em seus artigos 74, 75 e 76, sendo que falaremos, de forma específica, apenas, das hipóteses de dispensa de licitação por pequeno valor, estabelecidas no art. 75, I e II da Lei 14.133/2021.
Antes, porém, há necessidade de destacar que o planejamento foi estabelecido no artigo 5º da Lei 14.133/2021, como um dos princípios informadores do sistema de compras públicas, nele embutidos os processos licitatórios.
Isso porque, o plano de contratações anual, previsto no artigo 12, VII, da Lei 14.133/2021, tem, ao mesmo tempo, a finalidade de planejar todas as contratações públicas do ente para o próximo ano, como também, orientar a elaboração da legislação orçamentária para o próximo exercício financeiro.
Assim, bem elaborado o plano anual de contratações, há como saber se as contratações previsíveis nele previstas para o próximo ano, englobando a necessidade de todos os órgãos do ente público, por subelemento de despesa, nos termos previstos no § 1º do art. 75 da Lei 14.133/2021, dependerá de licitação, ou se permitirá a contratação por dispensa de licitação fundamentada no pequeno valor da contratação, com exceção das contratações de manutenção de veículos automotores com valores de até R$ 9.584,97, que poderão ser feitas por dispensa de licitação sem que tais valores sejam somados ao limite anual estabelecido no inciso I do art. 75 da Lei 14.133/2021 (R$119.812,02), para esse subelemento de despesa.
Analisado o plano anual de contratações e concluído pela possibilidade de contratação direta por pequeno valor, a mesma decorre de previsão de dispensa de licitação estabelecida no artigo 75, I e II da Lei 14.133/2021, da seguinte forma:
Art. 75. É dispensável a licitação:
I - para contratação que envolva valores inferiores a R$ 119.812,02 (cento e dezenove mil oitocentos e doze reais e dois centavos), no caso de obras e serviços de engenharia ou de serviços de manutenção de veículos automotores; (Valor atualizado pelo Decreto nº 11.871, de 2023) Vigência
II - para contratação que envolva valores inferiores a R$ 59.906,02 (cinquenta e nove mil novecentos e seis reais e dois centavos), no caso de outros serviços e compras; (Valor atualizado pelo Decreto nº 11.871, de 2023) Vigência
Esses valores constantes dos incisos supra do art. 75 da Lei 14.133/2021 são anuais e por subelemento de despesa, conforme estabelecido no § 1º do art. 75 da Lei 14.133/2021, que dispõe:
§ 1º Para fins de aferição dos valores que atendam aos limites referidos nos incisos I e II do caput deste artigo, deverão ser observados:
I - o somatório do que for despendido no exercício financeiro pela respectiva unidade gestora;
II - o somatório da despesa realizada com objetos de mesma natureza, entendidos como tais aqueles relativos a contratações no mesmo ramo de atividade.
Como já dito, não se aplica o citado § 1º, no entanto, às contratações de até R$ 9.584,97 (nove mil quinhentos e oitenta e quatro reais e noventa e sete centavos) de serviços de manutenção de veículos automotores de propriedade do órgão ou entidade contratante, incluído o fornecimento de peças, nos termos do § 7º do art. 75 da Lei 14.133/2021, que estabelece:
§ 7º Não se aplica o disposto no § 1º deste artigo às contratações de até R$ 9.584,97 (nove mil quinhentos e oitenta e quatro reais e noventa e sete centavos) de serviços de manutenção de veículos automotores de propriedade do órgão ou entidade contratante, incluído o fornecimento de peças. (Valor atualizado pelo Decreto nº 11.871, de 2023)
Assim, em relação à manutenção de veículos, os consertos e manutenção preventiva que ficarem dentro do valor constante do § 7º do art. 75 da Lei 14.133/2021, não serão somados para fins do limite anual previsto no inciso I do mesmo artigo 75.
Exemplificando: um conserto de veículo ou máquina que custe até R$ 9.584,97, não conta para o referido limite do inciso I do artigo 75, sendo que nesse caso, eu poderia ter diversos consertos durante o ano que somados ultrapassassem R$ 119.812,02, sem nenhum problema de infração à lei.
No entanto, quando eu tenho consertos de veículos ou máquinas que ultrapassem o valor de R$ 9.584,97, esses consertos são somados durante o ano e não podem ultrapassar o valor de R$ 119.812,02, sob pena de ilegalidade da contratação direta por pequeno valor.
Em relação à necessidade de realização de processo para a contratação por dispensa de licitação fundamentada em pequeno valor, o artigo 72 da Lei 14.133/2021, ao contrário do art. 26 da Lei 8.666/93, não estabeleceu expressamente a desnecessidade de abertura de processo de dispensa de licitação para essas contratações.
Assim, a regra geral é que as licitações de pequeno valor sejam precedidas de processo de dispensa de licitação, observando-se, inclusive o § 3º do art. 75 da Lei 14.133/2021, que estabelece:
Art. 75. É dispensável a licitação:
§ 3º As contratações de que tratam os incisos I e II do caput deste artigo serão preferencialmente precedidas de divulgação de aviso em sítio eletrônico oficial, pelo prazo mínimo de 3 (três) dias úteis, com a especificação do objeto pretendido e com a manifestação de interesse da Administração em obter propostas adicionais de eventuais interessados, devendo ser selecionada a proposta mais vantajosa.
Assim verifica-se que nas contratações de pequeno valor, a regra é, não só a realização de processo de dispensa de licitação, como também que seja publicado o aviso de dispensa no sítio eletrônico oficial do Município e no Portal Nacional de Contratações Públicas, abrindo-se o prazo de 3 dias úteis, contados da última publicação, para o recebimento de propostas adicionais de eventuais interessados, visando a seleção de proposta mais vantajosa a Administração para a contratação pretendida.
A publicação do Aviso de Contratação Direta no sítio eletrônico oficial da Prefeitura, decorre textualmente do citado § 3º do artigo 75 e no Portal Nacional de Contratações Públicas, do artigo 174, § 2º, III, da Lei 14.133/2021.
Em que pese o § 3º do art. 75 da Lei 14.133/2021, faça referência a “preferencialmente precedidas de divulgação”, o dispositivo tem que ser interpretado a luz dos Princípios estabelecidos no art. 5º da mesma Lei, de forma que a não publicação deve ser excepcional e justificada, sob pena de infração ao Princípio da Competitividade e de afastar a Administração de buscar a proposta mais vantajosa para a contratação por ela pretendida, nos termos do art. 11, I, da Lei 14.133/2021.
No entanto, o § 2º do art. 95 da Lei 14.133/2021 estabeleceu situação totalmente excepcional em que se admite o contrato verbal com a Administração, nos seguintes termos:
Art. 95. O instrumento de contrato é obrigatório, salvo nas seguintes hipóteses, em que a Administração poderá substituí-lo por outro instrumento hábil, como carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra ou ordem de execução de serviço:
[...]
§ 2º É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de pequenas compras ou o de prestação de serviços de pronto pagamento, assim entendidos aqueles de valor não superior a R$ 11.981,20 (onze mil novecentos e oitenta e um reais e vinte centavos). (Valor atualizado pelo Decreto nº 11.871, de 2023) Vigência
Esse dispositivo, manteve previsão anterior estabelecida no Parágrafo Único do artigo 60 da Lei 8.666/93, que tinha a seguinte redação:
Art. 60. Os contratos e seus aditamentos serão lavrados nas repartições interessadas, as quais manterão arquivo cronológico dos seus autógrafos e registro sistemático do seu extrato, salvo os relativos a direitos reais sobre imóveis, que se formalizam por instrumento lavrado em cartório de notas, de tudo juntando-se cópia no processo que lhe deu origem.
Parágrafo único. É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de pequenas compras de pronto pagamento, assim entendidas aquelas de valor não superior a 5% (cinco por cento) do limite estabelecido no art. 23, inciso II, alínea "a" desta Lei, feitas em regime de adiantamento.
Note, no entanto, que na vigência da Lei 8.666/93, em relação a dispensa do processo não havia qualquer dúvida, tendo em vista que o artigo 26 estabelecia expressamente a possibilidade de dispensa do processo para compras de até R$ 8.000,00, valor que em 2018, foi atualizado para R$ 17.600,00, e o Parágrafo Único do artigo 60, estabelecia a possibilidade do contrato verbal para contratações de até R$ 4.000,00, que atualizado em 2018, passou para o valor de R$ 8.800,00, ou seja, o valor em que se admitia o contrato verbal sendo menor do que o valor que se dispensava o processo de dispensa, deixava claro que nas hipóteses de contrato verbal não havia necessidade de processo de dispensa de licitação.
Ocorre que, na Lei 14.133/2021, isso não fica tão claro, tendo em vista que, como já dito, não houve previsão expressa de dispensa do processo, nem mesmo para as aquisições de pequeno valor.
No entanto, acompanhamos o entendimento da empresa Zênite que, nas situações que a Lei admite o contrato verbal não há a necessidade de processo de dispensa, tendo em vista que não seria razoável que a lei admitisse o contrato verbal (não escrito) e pretendesse que fosse feito um procedimento prévio escrito para essas contratações.
Discordamos, no entanto da empresa Zênite, quando interpreta que o contrato verbal somente seria possível em despesas contraídas em regime de adiantamento, porque comparando o Parágrafo Único do artigo 60 da Lei 8.666/93 e o § 2º do art. 95 da Lei 14.133/2021, percebe-se que essa restrição de só admitir o contrato verbal nas despesas em regime de adiantamento que existia na Lei 8.666/93, foi retirada na Lei 14.133/2021, aplicando-se aqui, o Princípio Geral de Direito de que “onde a lei não restringe não cabe ao intérprete fazê-lo”.
Com isso, entendemos que a situação deve ser estabelecida no Decreto Regulamentar, nos termos do artigo 187 da Lei 14.133/2021.
No Município de Junqueirópolis - SP, o Decreto que regulamenta o assunto é o 7420/2024, cujo artigo 14 estabelece:
“Art. 14. Estarão dispensadas de formalização de processo administrativo as contratações diretas de valor não superior a R$ 11.981,20 (onze mil novecentos e oitenta e um reais e vinte centavos), nos termos do § 2º do art. 95 da Lei 14.133/2021, atualizado pelo Decreto Federal 11.871/2023, dependendo a contratação apenas de pesquisa de preços, nos termos do inciso IV do § 1º do art. 2º deste Decreto, dispensada referida pesquisa apenas para as despesas que se enquadrarem em regime de adiantamento, nos termos da legislação municipal que define a matéria.
§ 1º- Nos casos descritos neste artigo, em que são admitidos os contratos verbais com a Administração Pública, dispensada a formalização de processo de dispensa de licitação, a despesa pode ser formalizada por meio de empenho ordinário ou adiantamento.
§ 2º- Em caso de empenho ordinário, deve ser juntado ao mesmo os seguintes documentos:
I- Em caso de pequenas compras:
a) Justificativa da imprevisibilidade da contratação a justificar a sua não previsão no Plano de Contratações Anual, bem como que os bens adquiridos serão entregues imediata e integralmente, não resultando obrigações futuras, inclusive quanto a assistência técnica;
b) Parecer jurídico;
c) pesquisa de preços com os orçamentos de fornecedores.
II- Em caso de serviços de pronto pagamento:
a) Justificativa da imprevisibilidade da contratação a justificar a sua não previsão no Plano de Contratações Anual, bem como que não resultará obrigações futuras;
b) Justificativa de enquadrar-se a despesa como de pronto pagamento, nos termos de critérios definidos neste decreto;
c) Parecer jurídico;
d) pesquisa de preços com os orçamentos de fornecedores.
§ 3º- A pesquisa de preços de que trata o parágrafo segundo, deve observar, tanto para compras quanto para serviços de pronto pagamento, os seguintes requisitos:
I- pesquisa com, no mínimo, 3 fornecedores;
II- justificativa da escolha dos fornecedores pesquisados;
III- solicitação formal de cotação;
IV- não ter os orçamentos mais do que 6 (seis) meses de antecedência em relação à contratação.
§ 4º- A imprevisibilidade da contratação pode derivar da própria natureza do objeto contratado ou do fato da contratação poder ser enquadrado como esporádica.
§ 5º- Em caso de justificativa de imprevisibilidade no fato de ser a contratação esporádica, o somatório da despesa feita durante o exercício, não pode exceder o limite de R$ 11.981,20.
§ 6º- O limite estabelecido no parágrafo anterior não se aplica às despesas, quando a imprevisibilidade decorra da natureza do objeto, especialmente no caso de conserto de veículos automotores, nos termos do § 7º do art. 75 da Lei 14.133/2021.
§ 7º- Em caso de despesas feitas em regime de adiantamento para viagens, fica dispensada a juntada dos documentos estabelecidos no § 2º, bem como não se aplicando o limite de despesa durante o exercício, estabelecido no § 5º, todos deste artigo.
§ 8º- O disposto no parágrafo anterior, não isenta o responsável pelo adiantamento de responsabilização em caso de sobrepreço, nos termos do inciso LVI do artigo 6º da Lei 14.133/2021.
§ 9º- Caracteriza-se como serviço de pronto pagamento, estabelecido no § 2º do art. 95 da Lei 14.133/2021, aqueles que possam ser totalmente liquidados de uma única vez, para fins de pagamento da despesa. ”
A primeira coisa que devemos entender é que a contratação direta sem processo de dispensa é a exceção da exceção, devendo ser admitida para as despesas em regime de adiantamento e, no regime ordinário de despesa, ou mesmo em compras em regime de adiantamento, apenas para contratações de compras ou serviços de pequeno valor que sejam imprevisíveis ou esporádicos e de pronto pagamento.
Pronto pagamento, conforme definido no Decreto Regulamentar ocorreria nas despesas que pudessem ser executadas imediatamente com a entrega imediata e integral, da qual não resultasse obrigações futuras ou os serviços que possam ser totalmente liquidados de uma única vez, para fins de pagamento da despesa.
Tais contratações devem ser precedidas de pesquisa de preços, com, no mínimo, 3 fornecedores, atendendo os requisitos do Decreto regulamentar, quais sejam:
a) pesquisa com, no mínimo, 3 fornecedores;
b) justificativa da escolha dos fornecedores pesquisados;
c) solicitação formal de cotação;
d) não ter os orçamentos mais do que 6 (seis) meses de antecedência em relação à contratação.
A dispensa de apresentação de cotações ficaria por conta de despesas feitas em viagem, em regime de adiantamento, porque, nessa hipótese, não seria razoável exigir que a pessoa que esteja em viagem de trabalho fizesse pesquisa de preços, por exemplo, para almoçar.
Porém, mesmo nessa situação, o responsável pelo adiantamento será responsabilizado por eventual sobrepreço.
Em que pese conforme definido no Decreto Regulamentar sugerido, o requisitante possa trazer pesquisa de preços com fornecedores, atendidas as condições estabelecidas para tanto, nos empenhos ordinários, o Setor de Compras deve verificar se as cotações apresentadas estão de acordo com contratações correlatas feitas por outros órgãos da Administração Pública no prazo de até 1 ano, através de consulta ao Portal Nacional de Contratações Públicas e/ou banco de preços de contratações públicas, juntando os documentos da pesquisa nesse sentido a demonstrar a compatibilidade dos preços com aqueles dos orçamentos apresentados ou devolvendo o expediente ao requisitante em caso de sobrepreço dos orçamentos em relação ao pesquisado, o que, por cautela, pode ser colocado como obrigação no próprio Decreto Regulamentar.
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