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Gustavo Junqueira

É POSSÍVEL CONTRATAÇÃO DIRETA POR PEQUENO VALOR SEM A ADOÇÃO DE PROCESSO DE DISPENSA ESTABELECIDO NA LEI 14.133/2021?

Por Gustavo Junqueira[1]

[1] Professor Mestre Luiz Gustavo Junqueira de Sousa – Foi Professor de Direito Constitucional e Administrativo da Faculdade de Direito REGES de Dracena, Graduado em Direito pela PUC de Campinas, Mestre em Direito do Estado pela Fundação Eurípedes Soares da Rocha, de Marília e Diretor de Licitações, Contratos e Convênios da Prefeitura Municipal de Junqueirópolis


Essa questão é relevante pois, em que pese a Lei 14.133/2021 tenha aumentado consideravelmente os valores que permitem a dispensa de licitação por pequeno valor não estabeleceu expressamente a possibilidade de qualquer dispensa do respectivo processo para as referidas contratações.


Isso porque, o artigo 72 da Lei 14.133/2021, ao contrário do que tinha feito o artigo 26 da revogada Lei 8.666/93, não estabeleceu a dispensa do processo para as contratações estabelecidas no artigo 75, I e II da Nova Lei de Licitações.


Desta forma, as contratações previstas nos incisos I e II do art. 75 da Lei 14.133/2021 dependem da instauração de processo de dispensa de licitação preferencialmente com divulgação de aviso em sítio eletrônico oficial, pelo prazo mínimo de 3 (três) dias úteis, com a especificação do objeto pretendido e com a manifestação de interesse da Administração em obter propostas adicionais de eventuais interessados, devendo ser selecionada a proposta mais vantajosa, nos termos do § 3º do art. 75 da nova lei de licitações.


Porém, de fato, há duas hipóteses de dispensa de licitação que admitem a contratação sem a realização de prévio processo de dispensa de licitação.

 

Essas hipóteses estão previstas no § 2º do artigo 95 da Lei 14.133/2021, que estabelece: 

Art. 95. O instrumento de contrato é obrigatório, salvo nas seguintes hipóteses, em que a Administração poderá substituí-lo por outro instrumento hábil, como carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra ou ordem de execução de serviço:
(...)
§ 2º É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de pequenas compras ou o de prestação de serviços de pronto pagamento, assim entendidos aqueles de valor não superior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Importante salientar que o valor constante do referido § 2º do art. 95 da Lei 14.133/2021 foi corrigido pelo Decreto Federal 11.871/2023, passando para o valor de R$ 11.981,20 (onze mil novecentos e oitenta e um reais e vinte centavos).

 

Perceba que existem duas situações previstas no § 2º do art. 95 da Lei 14.133/2021 que admitem o contrato verbal:

 

a)             pequenas compras, limitadas ao valor de R$ 11.981,20;

b)             contratação de prestação de serviços de pronto pagamento, limitado ao valor de R$ 11.981,20.

 

A contratação de pequenas compras para enquadrar-se no § 2º do art. 95 da Lei 14.133/2021, deve observar os seguintes requisitos cumulativos:


a)             valor de até R$ 11.981,20;

b)             imprevisibilidade da despesa, de forma a justificar a sua não previsão no Plano de Contratações Anual;

c)             compras com entrega imediata e integral dos bens adquiridos e dos quais não resultem obrigações futuras, inclusive quanto a assistência técnica, independentemente de seu valor[2];

d)             adequação dos valores contratados com os de mercado;


A contratação de serviços que se enquadra no § 2º do art. 95 da Lei 14.133/2021, deve cumprir os seguintes requisitos cumulativamente:


a)             valor de até R$ 11.981,20;

b)             imprevisibilidade da despesa, de forma a justificar a sua não previsão no Plano de Contratações Anual;

c)             contratação que não resulte obrigações futuras[3];

d)             adequação dos valores contratados com os de mercado;

e)             pronto pagamento[4].


Note que, a realização de sucessivas contratações com o mesmo objeto, especialmente quando superem o valor de R$ 11.981,20, no ano, caracteriza a previsibilidade e o mau planejamento das contratações no Plano Anual a ensejar a nulidade de todas as contratações levadas a efeito com esse fundamento[5], salvo contratação com despesas de viagens feitas em regime de adiantamento.


Quanto à desnecessidade de processo de dispensa de licitação para as contratações com fundamento no § 2º do art. 95 da Lei 14.133/2021, não haveria razoabilidade em a Lei estabelecer a possibilidade de contrato verbal nessas hipóteses e, ao mesmo tempo, exigir um procedimento prévio escrito.

 

No mesmo sentido, cite-se o comentário da equipe técnica da Zênite:

O Tribunal de Contas da União consolidou entendimento no sentido de que o “suprimento de fundos aplica-se apenas às despesas realizadas em caráter excepcional e que comprovadamente não se subordinem ao processo normal de aquisição. As despesas passíveis de planejamento devem ser submetidas ao procedimento licitatório ou de dispensa ou inexigibilidade de licitação, dependendo da estimativa de valor dos bens ou serviços a serem adquiridos.”2 Esse entendimento, a despeito de estabelecido em contratações decorrentes do regime da Lei nº 8.666/1993, dado o alinhamento de premissas interpretativas, deve orientar a aplicação da Lei nº 14.133/2021.
Como se pode perceber, as situações que autorizam a contratação verbal têm em vista uma modalidade simplificada de execução de despesa, que, em termos gerais, corresponde ao fundo de caixa existente para fazer frente às pequenas despesas do dia a dia que não possam se submeter ao processo ordinário de contratação pública. Trata-se do que conhecemos, atualmente, como regime de adiantamento ou suprimento de fundos, no âmbito da Administração Pública federal, cujos pagamentos ocorrem por meio de cartão corporativo.
Justamente por isso, não há que se falar em observar o rito da contratação direta por valor, definido no art. 75, §3º, da Lei nº 14.133/2021, segundo o qual as dispensas por valor “serão preferencialmente precedidas de divulgação de aviso em sítio eletrônico oficial, pelo prazo mínimo de 3 (três) dias úteis, com a especificação do objeto pretendido e com a manifestação de interesse da Administração em obter propostas adicionais de eventuais interessados, devendo ser selecionada a proposta mais vantajosa”. Por envolver despesas de baixo valor, e cuja demanda exige pronto pagamento, resta incompatível e desarrazoado, observar o procedimento definido no §3º do art. 75, o qual, por expressa disposição legal, aplica-se às dispensas em razão do valor (art. 75, inc. I e II, da Lei nº 14.133/2021).
Veja-se que, por pressuporem a inviabilidade de observar o processo habitual de aquisição, tais contratações não exigem as formalidades da Lei nº 14.133/2021, tais como instauração e instrução de processo, prévia publicação, justificativa de escolha do contratado, exigência de documentos de habilitação, dentre outros. As circunstâncias que admitem o “contrato verbal”, devido ao valor e necessidade de “pronto pagamento”, não justificam a movimentação da estrutura da Administração para fins de formalização dos respectivos ajustes.
Evidentemente, cumprirá à Administração controlar as situações que efetivamente justificam a adoção do “contrato verbal”, observância do limite de valor definido, e razoabilidade dos gastos respectivos frente aos valores praticados no mercado.
À luz do exposto, as pequenas compras ou a prestação de serviços de pronto pagamento (art. 95, § 2º, da Lei nº 14.133/2021) não precisam observar o rito da contratação direta por valor, definido pelo art. 75, § 3º, da Lei nº 14.133/2021[6].

Pode-se observar que, para a equipe técnica da Zênite, a contratação verbal, com fundamento no § 2º do art. 95 da Lei 14.133/2021, somente pode ser realizada em regime de adiantamento.

 

Contudo, ao compararmos a redação do parágrafo único do art. 60 da revogada Lei nº 8.666/93 com o novo texto do § 2º do art. 95 da Lei nº 14.133/21, percebe-se a intenção do legislador em eliminar a parte final que restringia a possibilidade de contrato verbal apenas àquelas “feitas em regime de adiantamento”:


Lei 8.666/93 (revogada)

Lei 14.133/21

Art. 60.  Os contratos e seus aditamentos serão lavrados nas repartições interessadas, as quais manterão arquivo cronológico dos seus autógrafos e registro sistemático do seu extrato, salvo os relativos a direitos reais sobre imóveis, que se formalizam por instrumento lavrado em cartório de notas, de tudo juntando-se cópia no processo que lhe deu origem.

Parágrafo único.  É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de pequenas compras de pronto pagamento, assim entendidas aquelas de valor não superior a 5% (cinco por cento) do limite estabelecido no art. 23, inciso II, alínea "a" desta Lei, feitas em regime de adiantamento.

Art. 95. O instrumento de contrato é obrigatório, salvo nas seguintes hipóteses, em que a Administração poderá substituí-lo por outro instrumento hábil, como carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra ou ordem de execução de serviço:

I - dispensa de licitação em razão de valor;

II - compras com entrega imediata e integral dos bens adquiridos e dos quais não resultem obrigações futuras, inclusive quanto a assistência técnica, independentemente de seu valor.

§ 1º Às hipóteses de substituição do instrumento de contrato, aplica-se, no que couber, o disposto no art. 92 desta Lei.

§ 2º É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de pequenas compras ou o de prestação de serviços de pronto pagamento, assim entendidos aqueles de valor não superior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Nesse sentido, cite-se orientação constante do Centro de Apoio ao Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

O contrato verbal é possível para pequenas compras ou prestação de serviços de pronto pagamento, assim entendidos aqueles de valor não superior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). Art. 95, § 2º[7].

No mesmo sentido, a Lei Comentada do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo:

Na nova lei, o termo contratual é obrigatório para todas as modalidades licitatórias e contratações diretas, exceto: nas hipóteses de dispensa de licitação dos incisos I e II do art. 75, nas compras com prazo de entrega integral de até trinta dias contados da ordem de fornecimento (art. 6º, inciso X) e nos contratos de pequenas compras ou serviços de pronto pagamento no valor de até R$ 10.000,00[8].

Portanto, à luz dos princípios gerais de direito[9], pode-se observar que a Nova Lei de Licitações permite que o Decreto Regulamentar (art. 187 da Lei 14.133/2021) admita a possibilidade de contratos verbais de pequenas compras ou o de prestação de serviços de pronto pagamento, mesmo que feitas pelo regime ordinário ou comum de despesas previsto nos arts. 58 e ss. da Lei nº 4.320/64.


 

 

[2] Ainda que o valor da contratação seja inferior a R$ 10.000,00, será obrigatória a forma escrita e a adoção do instrumento completo quando forem impostas obrigações de execução futura ao contratado. (Marçal Justen Filho, Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas, p. 1254)


[3] Ainda que o valor da contratação seja inferior a R$ 10.000,00, será obrigatória a forma escrita e a adoção do instrumento completo quando forem impostas obrigações de execução futura ao contratado. (Marçal Justen Filho, Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas, p. 1254)


[4] Entendo que havendo omissão legislativa, o Decreto Regulamentar deve definir o que sejam serviços de pronto pagamento que podem ser pagos na forma do § 2º do art. 95 da Lei 14.133/2021, nos termos do art. 187 da Lei 14.133/2021. Importante consignar, no entanto, que há quem entenda que essas contratações para caracterizarem-se como de pronto pagamento, devem se submeter ao regime de aditamento. Nesse sentido vide José Anacleto Abduch Santos disponível em https://zenite.blog.br/regime-de-adiantamento-na-nova-lei-de-licitacoes/


[5] “a concessão de suprimento de fundos para pagamento de despesas rotineiras e não eventuais, associada à falta de planejamento nas aquisições, além de contrariar o art. 45 do Decreto 93.872/1986 e a jurisprudência do TCU, permite a compra do material de forma indevidamente fracionada, em desobediência à Lei de Licitações e Contratos (TCU, Acórdão nº 7.488/2013, 2ª Câmara).





[9] DECRETO-LEI Nº 4.657, DE 4 DE SETEMBRO DE 1942

Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

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